Página B
Sociedade

No último dia 15 de setembro, decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, concedeu liminar que tornou legalmente possível o “tratamento” psicológico com fins de reversão da orientação sexual homoafetiva, jocosamente chamada de “cura gay”.
Repudiada pela comunidade acadêmica, a liminar salvaguardou juridicamente interpretações cientificamente equivocadas, no entanto, reverberadas com a crescente onda de patrulhamento de grupos conservadores e/ou de orientação religiosa, que, posteriormente à decisão do juiz, lograram êxito em cancelar a exposição Quuermuseu no Santander Cultural, em Porto Alegre, e também cercearam mostras no MAM e no MASP, em São Paulo.
Há cerca de uma semana, o novo alvo dos conservadores é a filósofa norte-americana Judith Butler, que participará, no dia 7 de novembro, da mesa de abertura do seminário internacional Os Fins da Democracia, promovido pelo Sesc Pompeia, em São Paulo. Segundo o texto de apresentação de uma petição online com mais de 300 mil assinaturas que exige o cancelamento do evento, Butler é a mãe da “ideologia de gênero”.
No manifesto divulgado pelo Instituto Sedes Sapientiae, também defendido com uma petição pública ( e apoie), os integrantes do Departamento de Psicanálise alertam para a necessidade de tipificação da “cura gay” como crime de infâmia. “Reivindicamos parágrafo constitucional que definitivamente permita acusar a ideologia da cura gay como crime de infâmia, um crime de desmoralização, que vem acompanhada de práticas disfarçadas e ostensivas de exclusão política e social. É hora de fazermos valer uma postura ética e democrática, em conjunto com as organizações de saúde que, embasadas em estudos e pesquisas realizados nos mais diversos países, zelam igualmente por esses direitos”, defendem.
Leia, a seguir, o documento na íntegra:
MANIFESTO CONTRA O PRECONCEITO E A DISCRIMINAÇÃO
Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
O Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae vem a público repudiar toda e qualquer forma verbal ou qualquer ação que busque atentar contra a diversidade sexual. Em especial, nos colocamos contrários à posição desinformada e discriminatória que parece querer confinar no território da patologia as formas de sexualidade que não correspondam ao modelo dos comportamentos heterossexuais.
A sexualidade humana não é uma fatalidade do organismo e nem tem como objetivo a procriação; ela é sim uma criação que se forja na história de vida psíquica de cada um de nós, a partir da história das transformações socioculturais. Como psicanalistas refutamos qualquer ameaça ao direito de cada pessoa humana à própria sexualidade.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças em 17 de maio de 1990. A Psicanálise, sem dúvida, contribuiu para essa decisão. Nesse sentido, no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), que zela pela qualidade do exercício da profissão, alinhou-se ao crescente consenso científico e profissional de inúmeras associações médicas e psiquiátricas que despatologizaram a orientação sexual e a identidade de gênero, reconhecendo ali importantes elementos constituintes da subjetividade. O CFP regulamentou, já em 1999, a atuação dos psicólogos com relação a essas questões, de maneira a evitar que convicções de ordem pessoal interfiram no exercício profissional – o que pode, inclusive, agravar o sofrimento e os conflitos vividos pelas pessoas.
É com preocupação que vemos ressurgir, em nossa sociedade, vozes puritanas e segregacionistas que se escondem atrás de um discurso de proteção à família, e que levaram alguns profissionais a se contraporem ao posicionamento do CFP, pleiteando, por exemplo, as chamadas terapias de conversão, como a cura gay, cujo propósito não tem porquê, uma vez que não se trata de curar o que não é doença! Tal pretensão é, de fato, uma verdadeira prática de higienização e censura que avilta a condição humana e que tem se estendido a inúmeras outras áreas da sociedade brasileira. Nenhuma família constituída é ameaçada pela sexualidade LGBTTI. O que põe em risco seja uma família, seja uma pessoa – seja uma sociedade inteira – é precisamente a impossibilidade de conviver com as diversidades sexuais, diversidades de pensamento, diversidades de modos de sentir e de se expressar.
Apresentamos assim, nossos mais veementes protestos contra a ideologia da cura gay e exigimos a afirmação dos direitos universais a todo e qualquer cidadão, de modo a evitar o preconceito, as discriminações e a violência dirigidas a diversos segmentos da população, em particular àquelas pessoas cujas experiências e relacionamentos afetivo-sexuais e de gênero são diferentes dos padrões estabelecidos socioculturalmente.
Nesse sentido, reivindicamos parágrafo constitucional que definitivamente permita acusar a ideologia da cura gay como crime de infâmia, um crime de desmoralização, que vem acompanhada de práticas disfarçadas e ostensivas de exclusão política e social. É hora de fazermos valer uma postura ética e democrática, em conjunto com as organizações de saúde que, embasadas em estudos e pesquisas realizados nos mais diversos países, zelam igualmente por esses direitos.
Convidamos, assim, os membros da comunidade do Instituto Sedes Sapientiae, os trabalhadores da saúde mental, e todos os profissionais, de maneira geral, que se juntem a nós em defesa dos direitos fundamentais da pluralidade e contra visões hegemônicas e totalitárias.