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Emerson Alcalde, a história viva dos campeonatos de poesia de São Paulo

Cultura - Literatura

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Ele foi no primeiro slam no Brasil e criou o segundo, o Slam da Guilhermina. Poucos anos depois, mais de 30 grupos já organizam campeonatos por SP e cada vez mais popularizam a poesia pela cidade
Paulo Motoryn
Publicado em: 22/08/2017 - 19:26Alterado em: 30/08/2017 - 09:57
Emerson é uma das figuras mais conhecidas da cena dos slams de poesia (Foto: Henrique Santana)

Emerson Alcalde é testemunha ocular de uma das principais novidades da cultura paulistana nos últimos anos, os slams, campeonatos de declamação de poesias. Desde que ele participou da primeira edição do gênero a acontecer no Brasil, em 2008, o número de poetas e competições se multiplica. "Fui na primeira edição, que aconteceu aqui em São Paulo, totalmente por acaso. Aí acabei acompanhando e pesquisando na internet sobre como que acontecia lá nos Estados Unidos e na Europa”, ele conta.




 Roberta Estrela Dalva, do ZAP (Foto: Reprodução)

Desconhecido de boa parte das pessoas, os slams surgiram em Chicago, nos Estados Unidos, na década de 80, e logo se espalharam para diversos países da Europa. Existe até uma Copa do Mundo reunindo representantes de dezenas de países, todos os anos. A precursora dos slam no Brasil é amiga de Emerson, Roberta Estrela D’Alva, uma daquelas artistas que define perfeitamente o termo multitalentosa. Conhecida por muitos jovens por ser a atual apresentadora do Manos e Minas, da TV Cultura, ela é atriz, MC, diretora de teatro e pesquisadora - não à toa, é considerada por muitos uma das principais referências do movimento Hip-Hop de São Paulo. 

Um de seus feitos foi dar o ponto de partida para irradiar os slams pelo Brasil. Depois de voltar de uma viagem aos Estados Unidos, em 2008, ela criou o ZAP, uma sigla para a Zona Autônoma da Palavra. Os encontros aconteciam dentro de um teatro no bairro da Pompéia, zona oeste da capital paulista, e reuniam um número modesto de poetas. Um deles era Emerson, morador da zona leste. A distância fez com que ele fosse incentivado pelos colegas a criar um evento do tipo mais perto de casa.

“Eu topei, mas queria mesmo fazer um sarau. Antes mesmo do ZAP, eu frequentava a Cooperifa, o Sarau do Binho, desde os anos de 2006, 2007. Na verdade, ainda frequento. Mas sempre falavam para mim: 'faz alguma coisa no seu bairro, você demora três horas pra vir'. Aí resolvi fazer na zona leste. Lá não tinha sarau organizado igual ao movimento da zona sul. Só que quando procurei uns lugares, me veio a ideia: eu tenho que fazer um outro slam e tem que ser na rua”, lembra.




O poeta visitou a redação do Página B! (Foto: Henrique Santana)

O motivo? “Cara, só tinha o ZAP, era o único slam na cidade e era no teatro. No começo ia um pessoal, mas às vezes acabava sendo o círculo de amizade deles que organizavam. Eu ia até lá, mas era muito difícil de chegar. Eu não desistia, mas lá não passava nem ônibus perto. A maioria era do teatro, não da periferia. E aí rolava uns comentários dizendo que eram burgueses e tal. Eles eram meus amigos, são até hoje, eu não concordava com isso, mas também sabia que slam não era só aquilo”.




Emerson foi vice do Mundial de Slam (Foo: Henrique Santana) 

Nasceu assim, em meados de 2012, o segundo slam da história de São Paulo, o primeiro de rua, o Slam da Guilhermina. "A gente achou que ia ter muito problema por fazer na rua. Fomos falar lá na Prefeitura e falaram que a pracinha que a gente escolheu não era responsabilidade deles. Então falamos: 'é nossa'. Às vezes, um policial ou outro parava pra perguntar se a gente estava vendendo coisa. Mas não atrapalharam”, explica.

A dificuldade que Emerson tinha para chegar no ZAP, quando a Pompéia sediava o único slam de São Paulo, foi a motivação para escolher a saída do metrô como espaço para o Slam da Guilhermina. Os encontros acontecem todas as últimas sextas-feiras do mês em uma praça ao lado da estação Guilhermina-Esperança, na Linha 9: “Eu não queria que ninguém passasse pelo que eu tinha que fazer para chegar lá na zona oeste. Além disso, é muito boa a localização porque envolve as pessoas que jamais ouviriam poesia, pois várias saem do metrô e param para assistir, para nos ouvir”.

A inspiração veio das batalhas de rap, eventos que já frequentava e costumam acontecer nas saídas das estações, como a Batalha da Santa Cruz e a Batalha da Leste. Mas não são todos os slams que passam à margem da repressão policial. No Slam Resistência, que acontece na Praça Roosevelt e foi criado por poetas que participavam do Slam da Guilhermina, os casos de conflito são mais frequentes: "Lá tem um grupo de moradores que se organiza pra ligar para a Polícia Militar, por isso não dá para passar das 22 horas. O problema é que esse tem sido um dos slams que junta mais gente e às vezes o pessoal acaba bebendo demais, fumando demais, discute com a PM".

COMO FUNCIONA UM SLAM EM SEIS PERGUNTAS

Quanto tempo tem cada poesia?

Os poetas e poetistas têm cerca de 3 minutos para declamar suas poesias. Os textos são decorados, mas sempre há espaço para o improviso.

Quem são os jurados?

Os cinco jurados são escolhidos na hora, de acordo com critérios de paridade de gênero e racial. Eles avaliam cada poeta dando uma nota de 0 a 10.

Quantas pessoas se apresentam?

Geralmente, se apresentam por volta de 20 pessoas para competir. Em alguns slams, há um momento de microfone aberto para quem quiser se apresentar sem participar da competição.

Como funciona a competição?

As batalhas não são um contra o outro. Cada um se apresenta e a melhor declamação da noite, leva o título de campeão da noite.

Os slams acontecem a cada quanto tempo?

Cada slam, na maior parte das vezes, tem edições mensais. Os campeões de cada mês se enfrentam no final do ano para definir quem é o grande campeão.

Quais são as premiações?

Os campeões de todos os slams de São Paulo encontram-se em um campeonato estadual. O campeão se classifica para a competição nacional, o Slam BR, em que o melhor finalmente garante uma vaga na Copa do Mundo.

Se nesses poucos anos de trajetória dos slams no Brasil, Emerson tem uma decepção trata-se da derrota que ele sofreu na final da Copa do Mundo de Slam, que aconteceu em Paris, na França, em 2014. O evento internacional acontece há mais de 10 anos. O Brasil começou a participar em 2011 e por pouco não levou seu primeiro título com ele: "Eu fui o campeão nacional daquele ano e fui lá disputar com pessoas de vários lugares do mundo. Ganhei todas as eliminatórias até chegar na final e, na última poesia, acabei perdendo para um canadense. Quando voltei, não queria saber mais de poesia", brinca.

Teve vídeo com cinco milhões de visualizações. É muita gente. As pessoas estão vendo os vídeos e estão organizando seus eventos em outros estados.De um ano pra cá, isso vem estourando.

Hoje, Emerson atua como slammaster, como são chamados os mestres de cerimônia de cada campeonato, no Slam da Guilhermina e também ajuda a produzir os eventos do Slam Resistência. Uma das coisas que ele entende ter sido um ponto de virada na popularização dos slams é a publicação dos vídeos das poesias na internet. As páginas dos slams no Facebook, principalmente, estão atingindo milhões de visualizações. "As pessoas estão vendo os vídeos e estão organizando em outros estados. Teve vídeo com 5 milhões. É muita gente. De um ano pra cá, isso vem estourando", reflete.

Os números impressionam: nos últimos cinco anos, mais de 30 batalhas de poesia passaram a acontecer mensalmente, todas elas nas ruas de São Paulo. Em outras capitais do Brasil, outras dezenas. Um movimento que só cresce, mas que sempre terá em figuras como Emerson, Roberta e tantos outros, corpos vivos que contam perfeitamente sua história.

CONHEÇA O SLAM DA GUILHERMINA

Quando? Toda última sexta-feira do mês.

Onde? Na saída da estação Esperança-Guilhermina, na Linha 9 do Metrô - São Paulo (SP).

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