Opinião - Coisas da História

Ricardo Zarattini é o rapaz alto, de camisa preta, na clássica fotografia de presos políticos prestes a ser banidos do Brasil, em troca do embaixador americano Charles Burke Elbrick, que havia sido sequestrado pela guerrilha. Era setembro de 1969 e Zarattini estava preso, depois de ser acusado injustamente da autoria de um atentado a bomba com duas vítimas fatais no saguão do aeroporto dos Guararapes, em Recife.
O artefato tinha explodido na manhã da quarta-feira 25 de julho de 1966, no momento em que estava previsto o desembarque do marechal Artur da Costa e Silva, que sucederia a Castello Branco na Presidência da República. Cerca de 300 pessoas esperavam o militar, entre elas o vice-almirante reformado Nelson Gomes Fernando e o jornalista Edson Régis de Carvalho, que morreram no atentado. Outras 14 pessoas ficaram feridas.
Costa e Silva, por sua vez, não sofreu nenhum arranhão. Sequer desembarcou no aeroporto, pois, em vez de viajar de avião de João Pessoa (RN) para Recife, como planejado, o general decidiu fazer o trajeto de carro. Zarattini estava em São Paulo e soube do atentado pela imprensa. À época, nenhuma organização reivindicou a autoria do atentado, mais tarde atribuída à “ação isolada” de integrantes da Ação Popular (AP).
Dois anos, quatro meses e 15 dias depois, envolvido na organização de trabalhadores da zona canavieira de Pernambuco, Zarattini foi preso como autor do atentado. Na falta de provas que o ligassem à bomba, acabou condenado por “subversão no meio rural e criação de partido ilegal”, com pena de um ano de prisão. Começou então um doloroso périplo pelos porões da ditadura, interrompido na troca pelo embaixador.
A versão de que “Zarattini, irmão do ator Carlos Zara” estaria entre “os terroristas do aeroporto”, voltou à tona em 15 de maio de 1995, quando o Diário de Pernambuco publicou que ele era mesmo um dos autores do atentado. Ao tomar conhecimento da publicação, Zarattini acionou o jornal por danos morais: “O Diário de Pernambuco apoiou a ditadura o tempo todo. E, em plena democracia, insistiu em repetir a mentira”.
Ao insistir na antiga – e falsa – versão, o Diário baseou-se apenas em entrevista com Wandenkolk Wanderley, um cidadão ligado à comunidade de informações. “Ele disse que o Dops estava ‘convicto’ de que eu coloquei a bomba no Aeroporto dos Guararapes. Não precisava de prova, bastava estar convencido”, me disse Zarattini em setembro do ano passado. “Não parece com o que está acontecendo hoje?.”
Depois de 21 anos de batalha na Justiça, ele tinha acabado de ganhar a ação contra o jornal no Superior Tribunal de Justiça. Prestes a completar 191 anos, o Diário de Pernambuco é o mais antigo jornal em circulação na América Latina e tinha mudado de mãos no ano anterior. Como fica evidente no episódio do atentado do aeroporto, os antigos donos, os Diários Associados, deixaram uma herança pesada.
A vitória no processo trouxe conforto a Zarattini, mas não arrefeceu sua preocupação com o momento político do País. Engenheiro formado pela Politécnica da Universidade de São Paulo e ex-deputado federal, o incansável ativista morreu no domingo 15 de outubro, aos 82 anos. Um dos reflexos da coerência de sua trajetória política foi a presença no velório de um representante da Marinha do Brasil: o vice-almirante Antonio Carlos Soares Guerreiro, comandante do 8º Distrito Naval.