Brasileiros

Giletadas na criatividade

Opinião - Coisas da História

Ataque a golpes de gilete em telas modernistas marcou exposição de arte que estremeceu Belo Horizonte em 1944
Luiza Villaméa
Publicado em: 19/09/2017 - 12:07Alterado em: 27/09/2017 - 19:38
Restauro da tela Mendigos não eliminou totalmente as marcas dos cortes (Foto: Reprodução)

A tela Mendigos, de Tomás Santa Rosa, passou por restauro, mas ainda carrega marcas da agressão. Óleo sobre tela, foi uma das oito obras atacadas a golpe de gilete em junho de 1944, na Primeira Exposição de Arte Moderna de Belo Horizonte. A mostra, que dividira a sociedade mineira entre os adeptos e os críticos do modernismo, reuniu 134 obras de 46 artistas, entre eles Anita Malfatti, Cândido Portinari e Di Cavalcanti.

Junto com a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, e o Salão Modernista de 1931, no Rio de Janeiro, a exposição mineira consolidou o movimento no Brasil. À frente da iniciativa e da prefeitura estava Juscelino Kubitschek, o JK, que já havia enfrentado muita oposição ao construir o conjunto arquitetônico da Pampulha, com projetos do arquiteto Oscar Niemeyer, do paisagista Burle Marx e do escultor Alfredo Ceschiatti.

Na prática, Pampulha foi o prenúncio da controvérsia provocada pela exposição modernista, que também envolvia debates sobre o movimento no auditório sempre lotado da Biblioteca Municipal. Diante dos ânimos acirrados, JK foi categórico. “Na rua, não garanto, mas no interior da biblioteca a palavra é livre”, afirmou, segundo relato do jornalista Cláudio Bojunga, na biografia JK – o artista do impossível.




Capa do catálogo da mostra, que reuniu 134 obras de 43 artistas (Foto: Reprodução)

Participaram dos debates os críticos Décio de Almeida Prado e Sérgio Milliet; os escritores Jorge Amado, José Lins do Rego e Oswald de Andrade; o historiador Caio Prado Junior; o jornalista Samuel Weiner; e os artistas Anita Malfatti, Alfredo Volpi, Carlos Poty, Carlos Scliar, Djanira, Hilde Weber, Rebolo Gonzales e Santa Rosa. Di Cavalcanti chegou atrasado. Mesmo assim, fez a palestra Mitos do modernismo.

Entre os expositores, a única que morava em Minas Gerais, na cidade de Sabará, era a luxemburguesa Martha Loutsch. Uma das obras de Martha, Cacho de bananas, que retratava as frutas em roxo, também foi danificada em 1944. Outra tela que causou polêmica, mas saiu incólume, foi Cabeça de galo, de Cândido Portinari, que rompia com o conceito de verossimilhança das mentes pouco arejadas.

Na época do ataque, a intolerância criminosa foi creditada de forma genérica a conservadores mineiros. Em 2004, quando a exposição foi remontada em Brasília, com 80 obras da mostra original, a pesquisadora Monique Bouffis, filha de Martha Loutsch, me disse que, para a pintora, o autor do ataque partiu de um dos filhos do escritor francês Georges Bernanos, exilado no Brasil durante parte da Segunda Guerra Mundial.

“Martha presenciou a fúria dele em relação ao Oswald de Andrade”, contou Monique, referindo-se ao escritor que integrou a caravana de intelectuais paulistas convidados a participar da mostra. Durante uma conferência, Oswald acusou o autor de Sob o sol de Satã de refugiar-se em Minas Gerais para escapar da guerra. Como o ataque ocorreu sem testemunhas e só foi descoberto pela manhã, a dúvida quanto à autoria persiste. O repúdio não.

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