Arte - Idéias e Provocações

Na noite da última quinta-feira (19), centenas de pessoas se reuniram no Vão do Masp, em São Paulo, para apoiar a abertura da exposição História da Sexualidade. A mostra foi concebida em 2015 e reúne obras de mais de 130 artistas, dentre eles Pablo Picasso, Robert Mapplethorpe, Adriana Varejão e Francis Bacon. Entre os manifestantes, estava Ai Wei Wei, renomado artista chinês.
O protesto surgiu em apoio à realização da mostra, com vista aos recentes casos de censura na arte. Primeiro, houve o fechamento da mostra Queermuseu: Cartografias da diferença na arte brasileira, em Porto Alegre, por conta de protestos liderados principalmente pelo Movimento Brasil Livre (MBL), os quais consideravam que algumas obras apresentadas promoviam blasfêmia contra símbolos religiosos ou eram tendenciosas à pedofilia e à zoofilia. Depois, ataques semelhantes foram dirigidos à performance La Bête, realizada por Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), e o museu foi condenado por pedofilia.

Jean-Auguste-Dominique Ingres, Angélica acorrentada, 1859
Lilia Schwarcz, curadora-adjunta de história do Masp, disse que “uma série de direitos que julgávamos assegurados, na verdade, encontra-se em risco”, em entrevista à Folha. Para ela, a exposição História da Sexualidade “nunca foi tão necessária”.
No entanto, pela primeira vez em 70 anos de história, o museu veta a entrada de visitantes com menos de 18 anos, mesmo que tenham autorização de responsáveis. Em nota de esclarecimento, o Masp explica que “exibições e apresentações públicas” devem se autoclassificar de acordo com o Guia Prático de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça e que contou com orientação jurídica para estipular a classificação.
A medida é vista pela classe artística como decorrente de uma série de censuras à arte, que fazem parte do “recrudescimento da onda de ódio, intolerância e violência à livre expressão nas artes e na educação” no Brasil, como é descrito em carta manifesto redigida por artistas, intelectuais e profissionais de várias áreas, que têm se manifestado conjuntamente pela defesa da democracia desde 2015.
“Somos radicalmente a favor da liberdade de expressão e circulação de ideias, crenças, informações e expressões artísticas. E evidentemente, acreditamos no livre debate de todas essas expressões”. Com essas palavras o grupo se apresenta no documento, que em seguida nomeia os focos de ataques às liberdades.
“Arrogantes, tais fundamentalistas evitam a leitura mais atenta dos trabalhos e saem à caça de indícios de indecência, leviandade, pornografia e heresia. Não há debate intelectual, não há questionamento, só violência e intolerância”, afirma-se na carta. Para a classe, a solução é ampliar ao máximo todas as forças democráticas nacionais.
Confira a carta manifesto completa:
Somos artistas, intelectuais e profissionais de várias áreas, que temos nos manifestado conjuntamente pela defesa da democracia desde 2015 e que, agora, nos colocamos ao lado das recentes iniciativas contra o recrudescimento da onda de ódio, intolerância e violência à livre expressão nas artes e na educação. Ódio, intolerância e violência que já vêm sendo impressos há tempos contra mulheres, homossexuais, negros e índios.
Somos radicalmente a favor da liberdade de expressão e circulação de ideias, crenças, informações e expressões artísticas. E evidentemente, acreditamos no livre debate de todas essas expressões.
Achamos, todavia, que é preciso nomear os focos de ataque às liberdades. Ficou evidente que militantes de direita, segmentos de igrejas neopentecostais, alguns políticos de grande responsabilidade pública – e sem espírito republicano –, membros da burocracia de estado no judiciário, da polícia e do Ministério Público estão atuando em conjunto contra produções e instituições artísticas. Eles censuram exposições, assediam os visitantes e funcionários dos museus e usam de redes sociais para detratar e ultrajar pessoas das quais discordam.
Arrogantes, tais fundamentalistas evitam a leitura mais atenta dos trabalhos e saem à caça de indícios de indecência, leviandade, pornografia e heresia. Não há debate intelectual, não há questionamento, só violência e intolerância.
Foi assim que milícias reacionárias e antidemocráticas conseguiram provocar de maneira abrupta o encerramento da exposição Queermuseu, no Santander Cultural, de Porto Alegre (RS). Em setembro, a polícia retirou a pintura Pedofilia, de Alessandra Cunha, do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande (MS); depois a justiça proibiu a apresentação da peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, no Sesc de Jundiaí (SP). Vale lembrar ainda que as mesmas milícias iniciaram uma campanha contra o Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP, por conta da performance La Bête, de Wagner Schwartz, com apoio irresponsável do prefeito de São Paulo, João Doria. E uma horda de fanáticos liderados pelo deputado João Leite tentou invadir o Palácio das Artes, em Belo Horizonte (MG), e destruir a produção de Pedro Moraleida.
Acreditamos também que não se trata de um ataque específico à produção artística. Mas trata-se de um fenômeno que começou a brotar em 2010 como oposição ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3); e que cresceu e foi adubado durante o processo de deposição da presidenta eleita Dilma Rousseff.
É óbvio que nem todos que foram a favor do impeachment sejam dessa linhagem antidemocrática. Mas estavam lá em peso os ativistas e agentes públicos arquiconservadores constrangendo pessoas de pensamento diverso. Eles que distribuíram adesivos para serem colados em tampas de tanque de combustível com a figura da presidenta em um contexto sexista, misógino e constrangedor; eles que atacaram políticos e militantes de esquerda em aviões, restaurantes e até em ambientes sensíveis como hospitais e velórios, eles que bateram e ameaçaram quem se vestia de vermelho.
Depois de consumado o impeachment – bem nomeado, um golpe parlamentar com a compra de votos de deputados capitaneada por Eduardo Cunha – passaram a subtrair ou tentar retirar um número significativo de conquistas obtidas pelos brasileiros a partir da Constituição de 1988. É assim que estão dia a dia limitando os direitos individuais, civis e sociais no Brasil, precarizando as condições de trabalho, ameaçando a liberdade de ensino nas escolas, a proteção ao meio-ambiente, a união de pessoas do mesmo sexo etc. Esse é o conjunto da obra que resulta do golpe de Estado.
Agora, o que necessitamos é ampliar ao máximo, acima de opções partidárias, ideológicas e religiosas, todas as forças democráticas para fazer frente, nas ruas, nas casas legislativas, nos tribunais e nos meios de comunicação disponíveis, às ameaças concretas às liberdades e conquistas sociais. Propomos a articulação de grupos, entre amigos e familiares, entre colegas de profissão para a organização de atos públicos e de ação nas redes sociais para defender e aprofundar o direito a um ambiente de livre circulação de ideias, e denunciar aqueles que querem ver o Brasil sem democracia.
Essa carta manifesto é uma resposta à escalada da extrema direita contra os direitos individuais, civis e sociais. Quem quiser, pode aderir pelo