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A octogenária "Guernica", de Picasso

Arte - Encontros

Uma das obras mais emblemáticas do artista espanhol (1881-1973), a tela sobre o massacre da cidade de Guernica se mantém atual como símbolo antiguerra
Sarah Maia Maluf
Publicado em: 18/04/2017 - 15:14Alterado em: 23/08/2017 - 15:19
“Guernica”, de Pablo Picasso

Em 26 de abril de 1937, a cidade de Guernica foi destruída por um bombardeio aéreo alemão, resultado da sangrenta guerra civil espanhola protagonizada pelas tropas do general Francisco Franco e, no outro lado, pelas forças republicanas. O ataque, com mais de 50 toneladas de bombas, destruiu três quartos da cidade espanhola e matou centenas de pessoas. Há 80 anos, o bombardeio entrou para a história retratado por Pablo Picasso em Guernica. A obra, com traços dramáticos em preto e branco, é o centro da exposição Piedad y Terror en Picasso – El Camino a Guernica, em cartaz no Museu Reina Sofia. 

Picasso escancarou a tragédia da cidade destruída -como a mãe e seu filho morto nos braços ou soldados sem membros agonizando de dor- com base nos relatos e fotos publicados pelo jornal francês L’Humanité dias depois do ataque. “Às 2h de hoje, quando visitei a cidade, toda ela era uma visão horrível, ardendo de ponta a ponta. O reflexo das chamas podia ser visto nas nuvens de fumaça acima das montanhas a partir de 10 milhas de distância. Durante a noite, casas continuaram caindo até que as ruas se tornassem longas pilhas de destroços vermelhos impenetráveis”, dizia a matéria publicada pelo jornalista americano George Steer, que acompanhou a guerra espanhola para o The Times e New York Times.

Criada a partir de pedido da República Espanhola e apresentada pela primeira vez em novembro de 1937 durante a Exposição Internacional de Paris, ao lado de obras patrocinadas pela Alemanha Nazista e pela União Soviética, a tela de 3,5 m por 7,76 m percorreu países da Europa e dos Estados Unidos como forma de arrecadar fundos para os refugiados de guerra.“Picasso nos envia nossa carta de luto: tudo o que amamos vai morrer”, escreveu o poeta francês Michel Leiris na ocasião. Com o ditador Franco no poder espanhol, a obra permaneceu por 40 anos no MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York, até voltar a Espanha, em 1981. 

Todos nos lembramos de Guernicaa cada imagem terrível vinda da Síria ou da tragédia dos refugiados. Ela está no nosso imaginário como a denúncia das barbáries incessantes.

“Guernica uniu o impacto da gramática cubista (que já estava mais ou menos estabilizada), com uma junção de formas simbólicas únicas e reconhecíveis, que se transformaram na mais perfeita tradução do horror das guerras e da injustiça”, explica o professor Francisco Alambert, doutor em história social pela USP. Para Alambert, tanto o impacto visual quanto o papel da arte modernista de esquerda naquele período do nazi-fascismo foram decisivos para transformá-la em uma das obras mais influentes do século XX. 

“Bienal de Guernica”

No Brasil, a obra ganhou papel central no debate entre o figurativo e o abstrato durante a Bienal de 1953, conhecida também como a Bienal de Guernica. Destaque da mostra naquele ano, o painel de Picasso atraiu o público e despertou a crítica, que usava os traços do pintor para questionar o movimento cubista e sua representatividade na arte moderna. “Foi a primeira vez que a obra saiu do MoMa. Picasso prestou uma homenagem ao Brasil que, naqueles anos do pós-Guerra, parecia um país com grande futuro”, afirma Alambert.

Segundo o professor, o debate central no Brasil  naquele momento opunha os defensores do figurativismo moderno, baseado em temas nacionais e sociais, e os defensores do abstracionismo, baseados na ideia de uma vanguarda modernizadora e voltada para o futuro industrial. “Guernicaapareceu no centro desse debate, sendo defendida e interpretada por ambos os lados. De maneira mais literal, a linguagem de Picasso foi muito forte [como influência] em Portinari e Clovis Graciano, para citar apenas dois artistas”.

Guernica em exposição na Bienal de 1953

Guerra e paz

Reproduzida em cartazes antifranquistas pelas ruas espanholas durante o regime, ou como um símbolo da resistência de esquerda exposto no centro do capitalismo, Guernica manteve-se presente e ainda hoje vista como uma bandeira contra os horrores da guerra. “Quando Collin Powell foi anunciar que os EUA iam invadir o Iraque na ONU, ele o fez diante de uma reprodução de Guernica que estava lá, atrás dele. A imagem foi depois censurada”, lembra Alambert, citando o conflito de 2003 e o uso da imagem de Guernica nas passeatas contra a invasão no Iraque. 

Atualmente, o ataque de Guernica foi comparado aos bairros devastados da cidade síria de Aleppo, chamados pelos norte-americanos de “Guernica do século XXI”.  “Todos nos lembramos de Guernicaa cada imagem terrível vinda da Síria ou da tragédia dos refugiados. Ela está no nosso imaginário como a denúncia das barbáries incessantes”, conclui Alambert.

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