Página B - Brasil

Não importa o que a economista Laura Carvalho fez pra “chegar lá”. Infelizmente, ela é uma minoria ínfima em uma multidão de mulheres competentes que não chegaram.
Nascida nas contradições do Rio de Janeiro (RJ), ela sempre refletiu sobre privilégios, mas admite que o debate mais intenso sobre a questão de gênero só a envolveu há pouco tempo. Na escolha da faculdade, optou pela economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro ao invés da PUC-Rio porque vinha de uma escola particular bilíngue, que, segundo suas palavras, era “desconectada da realidade brasileira".
Se logo de início a faculdade pública abriu os olhos de Laura Carvalho para uma realidade mais ampla sobre a juventude e sobre o País, ainda não foi ali que ela percebeu a disparidade de gênero na economia. “Claro que existia uma diferença, mas não vinha com uma consciência de ser mulher num ambiente particularmente hostil. A minha geração foi um pouco de transição nisso de ter a clareza da questão de gênero”, conta.
“Apesar disso, hoje em dia, quando você olha em retrospecto até fica mais claro que havia uma série de características de um curso dominado por homens”. No meio deles, com menos de 35 anos, Laura já é doutora pela New School for Social Research, uma escola de economia de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e tornou-se em pouco tempo um dos nomes mais influentes no debate macroeconômico no Brasil.
Atualmente, é professora da Faculdade de Economia e Administração da USP e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Há dois anos escrevendo no maior jornal do País, seus textos são sempre eficientes em gerar reações acaloradas. De um lado, economistas liberais refutam veementemente suas análises e propostas, que segundo a própria Laura estão no “campo progressista”. Não é difícil achar na internet memes e textões ironizando e desqualificando o que pensa.

Laura Carvalho posa para foto em frente à FEA-USP (Foto: Henrique Santana)
“É difícil medir o quanto dessas agressões são pelo que estou falando e o quanto acontecem por eu ser mulher. Mas o que eu vejo é comentário que parece muito claro da misoginia ou do machismo. Vão na seguinte direção, por exemplo: presumem que você não sabe fazer uma conta, ou que você não sabe matemática ou não tem capacidade técnica. No meu caso, se a pessoa abrir meu currículo Lattes, vai ver uma série de artigos que usa econometria, matemática, a minha área é totalmente matematizada. Então me soa muito vinculado ao gênero”, afirma.

Marcelo Freixo queria Laura na Prefeitura (Foto: Reprodução)
Por outro lado, Laura Carvalho rapidamente conquistou as figuras mais relevantes da esquerda brasileira. Marcelo Freixo, deputado estadual, foi candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016 e colocou a economista como um dos principais nomes de sua gestão caso fosse eleito. Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo (SP), brincou ao participar de um debate: “Minha candidata para 2018? É a Laura Carvalho”. O ex-presidente Lula também já se habitou a convidá-la para pensar a economia no Brasil em reuniões na sede do Instituto Lula.
Laura também aponta que o sucesso de uma economista exige que a mulher não dê brechas para que pensem que ela possui fragilidades. Mesmo assim, ela conduziu os 45 minutos de conversa com a reportagem do páginaB! com muita leveza. Deu conta de descontrair um tema delicado. Na entrevista, ela fala sobre a misoginia e o machismo, mas vai além: faz uma análise macroeconômica do país, tenta prever pontos-chave do debate das eleições presidenciais que se avizinham e fala o que pensa sobre ser candidata ou integrar gestões de governo.
Página B! - Queria começar lá atrás, na escolha pela economia. Tem algo a ver com influência da família? O que te levou a fazer economia?
Laura Carvalho: Não tem nenhum economista na família. No momento, a decisão não estava tão clara. Eu comecei a cursar economia e direito também, não prestei só pra economia, prestei vários diferentes. A primeira decisão que eu precisei tomar foi se faria economia na UFRJ ou na PUC-Rio. Escolhi UFRJ, mas não foi uma escolha fácil. Eu sabia que tinha essa ideia de que era menos voltada para matemática, mas no segundo grau a minha disciplina favorita era matemática. Tinha um lado de que economia combinava essas coisas. Gostava um pouco de história também, mas não tinha muita ideia do que era, ideia ideológica nenhuma do que era.
A escolha pela UFRJ foi pelo fato de ser pública, pois vim de um segundo grau de uma escola francesa, muito pouco conectada com a realidade brasileira, então achei que ir pra universidade pública faria diferença.
A escolha do curso se deu depois. Entrei na UERJ fazendo direito e na UFRJ fazendo economia. E fiz as duas durante um ano, na prática. Formalmente mais tempo. Desde o início, gostei mais do curso de economia e isso foi ficando mais claro, não só porque acomodava algumas coisas que eu gostava, mas também fui entendendo ao longo do curso o que aquilo significava. Algum grau de envolvimento com a parte de política e tal, eu sempre tive. Ainda que na família não tenha economista, tem muita gente de esquerda, venho de uma família de esquerda. Eu demorei para conectar essas coisas, mas elas sempre estiveram ali.
Quando você entrou na economia, você já sentiu essa questão de gênero?
A minha geração foi de transição nessa questão de ter a clareza da questão de gênero. Eu mesma só fui parar para pensar nisso nos últimos cinco, seis anos. Não era uma coisa que eu parava para pensar na graduação. Também não é verdade que entre os entrantes era uma maioria masculina, claro que existia uma diferença, mas isso não vinha com uma consciência de ser mulher num ambiente particularmente hostil. Apesar de hoje em dia, olhando em retrospecto, até ficar mais claro que havia uma série de características de um curso dominado por homens, em coisa do dia-dia, machismo, trotes e tudo o que há ainda.
E na família não teve nenhuma resistência de escolher a carreira?
Não, de forma alguma.

Maria da Conceição Tavares: referência (Foto: Reprodução)
Quais mulheres você leu bastante? Quando você pensa em autoras mulheres na economia, quem te vem à cabeça? Quem são as principais figuras?
Então, tenho algumas. Começando na parte de economia keynesiana, internacional, que é onde minha pesquisa se encaixa hoje em dia, tem uma economista mulher que se chama Joan Robinson, que vivia em Cambridge, muito próxima a vários economistas, inclusive Keynes. Ela foi muito referência em uma série de trabalhos. Nessa parte do crescimento econômico keynesiano, foi fundamental. A própria Maria da Conceição Tavares, que é uma influência muito grande na UFRJ, é professora emérita do departamento de onde eu vim. Tem outras na área de desenvolvimento econômico, como a Alice Amsden, e gente hoje em dia, como a Mariana Mazucatto, que fez New School, fez a mesma escola que eu e tem um papel enorme no debate intelectual público, de escrever best seller, de acessar um público maior. Mas sim, tem algumas para quem eu sempre olhei sim.
Como se concretiza toda essa misoginia que a gente está comentando no dia-a-dia?
Quando eu fui para Nova York, como eu falei, não era uma coisa aparente para mim, a presença menor de mulheres, a pouca voz e tal. Quando você volta, você se dá conta de uma série de coisas. Apesar de todas as falhas que existem lá, as mulheres já são parte das práticas acadêmicas e dos debates. Por exemplo, é inadmissível um departamento em que se tenham contratado apenas homens para a pós-graduação, como temos aqui no Brasil, onde uma série de departamentos principais de economia só tem homem ou uma só mulher.
Lá não existe isso, pois a própria contratação já leva em consideração a diversidade de gênero e de outros tipos. É inadmissível ter uma mesa de debate só com homens e lá é uma coisa que não existe mesmo. Isso ainda acontece muito no Brasil, sobretudo com economistas, onde isso não é nem uma questão. Em outras áreas, já passaram a ter essa cobrança, mas na economia é quase impossível ter uma mesa com equidade, mesmo quando há o esforço. É difícil, mas em geral não há esse esforço.
O fato de você chegar em ambiente que só tem homem, diariamente, chegar onde existem 50, 100 pessoas e nenhuma mulher, no máximo uma jornalista cobrindo o evento, é algo que começa a chamar mais atenção para mim depois da volta ao Brasil. Já existia antes, mas não chamava atenção. Tem uma lado de que é muito difícil, dado o clima atual, onde as pessoas sofrem agressões na internet, em vários lugares, o tempo todo, é difícil medir o quanto dessas agressões são pelo que você está falando, quantos são pela situação política e o quanto é por você ser mulher. Então, essa é uma situação difícil para você colocar, mas o que eu vejo é muito comentário que parece muito claro de uma misoginia ou um machismo.

Laura fez o doutorado na New School, nos EUA (Foto: Divulgação)
Vão na seguinte direção, por exemplo: não sei se homem sofre esse tipo de coisa, mas assumem ou presumem que você não sabe fazer uma conta ou que você não sabe matemática ou não tem capacidade técnica. Isso é algo que me surpreende porque, no meu caso, se a pessoa abrir meu currículo lattes, vai ver uma série de artigos que usa econometria, matemática, a minha área é totalmente matematizada, então que diabos alguém conclui - a partir de ler o que quer que seja - que eu estou fazendo aquilo porque eu não tenho capacidade técnica para fazer outra coisa? Me soa muito vinculado a questão de gênero.
As pessoas chegam muito facilmente na conclusão que é uma falta de qualificação, de capacidade técnica, ao invés da conclusão de que foi realmente a escolha e a conclusão que a pessoa chegou. São comentários diferentes. De repente, tem um homem que fala exatamente a mesma coisa que eu e vai ser atacado pelo que está dizendo, mas não vejo com tanta frequência esse tipo de ataque, que vai na tentativa de desqualificar e pressupor algum tipo de ignorância, principalmente na matemática ou na estatística que é, na economia, onde isso se expressa. Então, isso é claríssimo, acontece com muita frequência.
Acontece em muitas áreas, mas toma essa forma na economia, que é a do questionamento daquilo que é considerado ciência dura, Se as mulheres estão fazendo isso, tudo bem, mas elas não deveriam fazer, porque claramente elas não têm esse domínio. Até o Larry Summers quase foi expulso da reitoria de Harvard porque fez um comentário sobre mulheres e matemática, ele era professor e reitor de Harvard e gerou um escândalo enorme nos EUA. Tem um ponto aí né, essa coisa dos cursos de engenharias, das ciências mais duras, na economia isso se reflete assim.

Laura recebeu a reportagem em sua sala no prédio da FEA-USP (Foto: Henrique Santana)
Você costuma refletir e conversar sobre isso com outras economistas mulheres, da mesma geração, que sentem a mesma coisa?
Certamente cada vez mais. Acho que há um sentimento geral assim. É claro que mulheres que trabalham apenas na pesquisa e estão num campo onde não interfira tanto em estruturas de poder sentem menos. E eu também sentia menos antes de participar e de ter esse debate que mexe com essas estruturas. Realmente, parece que há uma resistência muito grande dessas estruturas de aceitar as mulheres. Maior que a de aceitar pensamento diferente, que já é muito grande. Pra mim, é difícil distinguir, pois é um campo tão dominado por ideias específicas, já é um campo pouco plural. Então, se você é mulher e não concorda com a visão dominante, fica difícil entender se você não é aceita por uma coisa, por outra ou por ambas.
Você comentou de agressões na internet. Lembrei daquele post dos dez pontos contra a PEC do Teto de Gastos, que você escreveu e teve uma reação muito forte pela repercussão. Foram muitos ataques naquele momento...
É curioso. Eu vejo que isso acontece sempre que algo viraliza, aí só vai ter o triplo dessas coisa acontecendo. Mas no dia-a-dia você vê várias pessoas me chamando de Laurinha, com comentários irônicos e sarcásticos. É totalmente frequente. Hoje em dia, praticamente nem leio, hoje posto lá e não dá para ter um debate. Tem grupos que se coordenam e produzem memes e fazem trollagens. Tratar no diminutivo... Será que é uma coisa que aparece na página de um economista homem? Estranho. No entanto, refutar, isso não me incomoda. Geralmente, eu não respondo, geralmente quando gera repercussão eu dificilmente tomo a decisão de dar repercussão para elas depois, mas é uma coisa que não me incomoda.
Acontece não só na internet, mas no próprio jornal, que tem muito mais gente respondendo o que eu estou falando e eu dificilmente estou citando alguém diretamente. Não faz parte do que eu gosto de fazer, da minha tática, não vejo como algo tão construtivo assim, pegar o argumento de alguém para destruir. Hoje em dia, a maior parte das pessoas usa essa tática fácil de retórica. Você pega alguém e destrói com sua interpretação, isso não é muito a minha. Até porque estou discordando de muitas pessoas, talvez não faça sentido personificar, a não ser que seja um debate qualificado interessante, aqueles que eu acho que merecem a tréplica, mas não costumo fazer isso não.
Existe uma resistência pelo fato de você ter uma postura mais militante e declaradamente de esquerda? Você acha que isso, com outros economistas, é mal visto?
A grande realidade é que os economistas que participam do mainstream costumam usar o argumento de que o outro lado é ideológico e o deles é cientifico, então vai aparecer a acusação de que você é militante ou de que está enviesando os argumentos para o seu lado. Eu poderia fazer exatamente a mesma coisa. Você pode pegar vários Nobel de economia que tem a mesma ideia que eu, o Krugman [Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008], por exemplo, então minhas intervenções no debate econômico não diferem nada de pessoas que não só estão no mainstrem como receberam Nobel de economia. No debate público, não estou muito longe desses caras, de modo que não faz muita diferença, não me parece esse o ponto. Não acho que é uma coisa de eu ser ou não engajada com ideias de esquerda que muitos economistas também têm, mas nunca foi problema.
Mas você sente as pessoas tentando te deslegitimar por isso?
Isso sim, sem dúvida. Apesar de essas pessoas serem militantes. Você vê de uma pessoa defender a PEC do Teto de Gastos - que cria problemas sérios, que não é aplicado em lugar nenhum, que não faz sentido do ponto de vista econômico, que não tinha argumento econômico pra fundamentar aquilo naquele formato... Isso me parece uma postura militante de apoio a uma reforma de um governo que vai diminuir o tamanho do Estado. Isso é ideológico pra mim também. O que é ideológico? Me parece que tem uma série de economistas comemorando cada resultado de estatística que sai, distorcendo dados, economistas que erram previsões... Todos que apostavam numa saída rápida da crise vem errando suas previsões pra apoiar a saída de uma presidenta, depois para apoiar a permanência de outro. Isso é militância também. Beleza, eles estão no direito deles também, mas de fato tentam vendar a ideia com acusações desse tipo, de que a ideologia está só do outro lado, como se existisse uma verdade absoluta e cientifica.
Dá para fazer uma analogia com o Escola Sem Partido.
Exatamente. No fundo, o que importa é você delinear bem e ser coerente com a teoria que você está usando, independente de quem está no governo ou não. Estou lá criticando o mesmo modelo econômico, que, aliás, perdura no País já há dois anos e meio. Acho que esses economistas também são ideológicos e é isso: a ideologia faz parte um pouco, mas também acho que há um arcabouço teórico consistente que pode ser usado independente de quem está com a palavra.
Você se vê em cinco, dez anos, em algum momento, atuando dentro dos governos, em gestão de política econômica?
Então, já tive convite pra participar do governo e não aceitei. Já tive dois convites para o governo federal que eu recusei - não quer dizer que eventualmente não aceitasse. Acho que tem que ser uma configuração de um governo que de fato a gente veja possibilidade de ação, de construir um novo modelo econômico, outro modelo de crescimento, coisa que não vem se mostrando tão próximo do que a gente está hoje, do nosso sistema político e de como funciona os interesses que atende. Acho interessante a possibilidade de fazer política econômica, de fato, seria uma experiência fantástica, mas que não tem uma ambição de poder que me faça querer ter essa experiência a qualquer preço. Gosto do papel da independência, de estar de fora, de não ter chefe, não ter um partido, na verdade eu gosto disso.

A economista vai lançar um livro em 2018 (Foto: Reprodução)
Apesar de estar totalmente alinhada com a esquerda eu falo exatamente o que eu penso e agrado setores diferentes da esquerda por conta disso. Mas isso varia ao longo do tempo, então no momento em que sou contra impeachment, caio na graças de alguns setores da esquerda. Por um outro lado, antes disso, estava criticando a política econômica do governo Dilma e estava sendo criticada por esses mesmos setores. Então acho que é bom poder fazer isso, faz parte e eu gosto de estar nesse papel. A política não me atrai tanto no momento atual. Já tive até pressão por candidatura, porque existe essa ideia de renovar a política legislativa. Aí já vem um monte de gente de partido, de cidades diferentes, falar sobre candidatura. Eu acho tão legal que existe esse movimento que eu não consigo ser tão taxativa, porque acho que seria importante que as pessoas fizessem isso. E também teve a coisa com o Freixo, isso ficou público.
Teve aquele vídeo que ele passa por várias entrevistas e parece que são secretários de um futuro governo e você estava ali...
É. Ele também declarou na Globo, numa sabatina no segundo turno, quando perguntaram sobre a equipe, ele falou da Secretaria da Fazenda, mas que eu seria uma espécie de coordenadora geral da equipe de transição e tal.
O Haddad também chegou a citar você como um nome para eleições.
Não. O Haddad brincou que eu tinha que me candidatar, mas o Marcelo (Freixo) não. De fato, acompanhei ele. Contribuí um pouco na época da campanha, para ver os números da Prefeitura, ver como estava a situação financeira e as possíveis ações para economizar e conseguir fazer coisas. Cheguei a pensar em política, em proposta, então foi a única vez que aconteceu, mas ele não foi eleito. Talvez essa tenha sido a única situação em que eu poderia aceitar o desafio, porque era uma experiência especial. Seria especial se tivesse acontecido.
Como você está lendo 2018 nessa perspectiva da economia? Há muita incerteza em relação aos nomes, mas a economia foi ponto central de 2014, aquele debate da autonomia do Banco Central foi bem intenso. Como você acha que vai ser o debate? Com as figuras que estão se desenhando, você acha que vamos voltar a debater o Banco Central como um elemento que representa toda a política econômica?
Não. Estamos implementando um modelo econômico que não foi escolhido pelo voto e tem forte reprovação da sociedade. É uma situação totalmente diferente. Já estamos implementando um modelo, numa crise econômica profunda. Em 2014, o desemprego ainda não tinha começado a aumentar... Acho que agora não vai ser uma questão de alguém defender o projeto atual, a continuidade de um modelo e alguém defendendo outro modelo.
No fundo, estamos implementando esse modelo, que não foi eleito, quem começou foi a própria Dilma, e vai todo mundo tentar se desvincular um pouco disso e se apresentar como novo. Isso num plano econômico vai ser um pouco difícil. Não é à toa que querem que o governo já produza todas as reformas, porque ninguém quer ir pra um debate eleitoral com esse discurso, que se sabe que não ganha eleição. E há uma dificuldade grande dos economistas do campo dominante de apresentar propostas que ganham eleição.

Armínio Fraga: populismo no debate? (Foto: Reprodução)
Tem até uma entrevista recente interessante do Armínio Fraga, que coloca o debate como: não podemos em 2018 eleger o populismo. Mas dá pra rebater essa pergunta com “qualquer coisa que passe pelo crivo eleitoral é populismo?”. Porque até agora não existe uma proposta feita por esse campo que venceu as eleições, a não ser em 1994, quando tinha voto para estabilizar a economia. Depois disso, nunca mais teve. Vai ser interessante como isso vai ser jogado, minha sensação é que se as reformas tiverem passado, talvez todos tentem adotar um discurso de retomada de economia e crescimento sem se comprometer muito com um programa de redução do tamanho do Estado. Vão tentar acomodar uma ideia de que é possível aumentar a eficiência e coisas que tentem dar a impressão de que não há conflito entre as classes, nem conflito distributivo.
À esquerda talvez caiba o papel, e não sabemos quem vai representar esse papel, de tentar mostrar não só na economia, como na política, que a política econômica tem sido submetida a interesses muito específicos. Se você quer fazer um modelo que funcione, que reduza desigualdade, que gere crescimento de forma sustentável, você vai ter que combater alguns interesses de alguma maneira. Não é possível mais aquela ideia de que a gente ganha por todos os lados.
Não estamos nesse cenário, nem interno, nem externo. Já está muito claro quem ganha e quem perde quando a crise vem, e quem está perdendo são aqueles que tem menor poder de barganha. Então, se a esquerda não conseguir dialogar com essas pessoas, oferecendo soluções completas para as demandas que as pessoas têm, vai ter problemas. A discussão de serviços públicos vai ser fundamental, em função do sucateamento. A discussão urbana de cidade, transporte, também vai ser fundamental. A discussão dos direitos, sobre como manter a questão da desigualdade, de impostos, quem paga e quem não paga... Essas coisas deveriam ser os eixos de um programa de esquerda.